quinta-feira, 21 de fevereiro de 2019

O que compreendi com o silêncio

Márcia Baja
Na adolescência não tinha nenhum interesse em compreender a mente, o que a mente era capaz de fazer com os seus pensamentos. Sem orientação, procurava livros para tentar apaziguar um tipo de aflição, por não entender as coisas que eu sentia. Na medida em que fui tendo contato com os livros, com a prática e no momento em que encontrei um mestre que me deu instruções muito claras de como meditar, foi como se tivesse recebendo uma herança dos meus antepassados.

A gente vai levando a vida como todo mundo faz, sem saber que há um mundo mais sutil do que este que estou vendo a meu redor. Hoje, vejo a meditação como o despertar de um olho muito profundo, que nos leva a ver as coisas como elas são. A prática da meditação vai nos levar à compreensão de quem realmente somos.

Não se trata de abandonar a vida; ao contrário, nós nos tornamos mais vivos, porque passamos a viver no coração das experiências, não mais lidando com coisas externas que têm poder sobre nós. A gente precisa de pessoa que tenha experiência nisso, que nos pegue pela mão e diga o que a se vai fazer dentro desse silêncio.

Na prática da meditação, a gente vai encontrar algo mais sutil do que o simples desenvolver habilidades. Vamos encontrar uma consciência bem no fundo de tudo o que está acontecendo. Nós continuamos em nossas atividades quotidianas, mas sem perder de vista essa outra realidade por trás do nosso fazer.

Descobrimos, então, que o mundo externo nada mais é do que o espelho daquilo que eu tenho internamente. Então, qual é o sentido de ficar correndo atrás de coisas, no momento em que eu descubro que tudo é espelho de mim mesma?  Correndo atrás de uma coisa que eu criei, cuja imagem eu criei.

Quando você vê isso, não corre mais atrás de nada externo, não acredita mais nas aparências e percebe que tudo é um movimento de sua própria mente. Isso lhe dá uma paz profunda.

Quando você olha para as coisas dessa região livre, vai ver a confusão das outras pessoas; vê que as pessoas estão sofrendo por coisas desnecessárias. Como você adquiriu essa sabedoria de ver como as coisas funcionam, é natural que sinta compaixão pelas pessoas, mergulhadas nesse sofrimento inútil.

Quando encontramos essa consciência livre, não precisamos mais do outro, não no sentido da indiferença, mas porque encontrei as qualidades que estava buscando no outro. Quando eu busco amor é porque eu não tenho o amor. É preciso penetrar nessas regiões escuras de nossa carência, de nossa solidão, medos e iluminar isso, para que a gente não jogue em cima do outro. Quanto mais eu conhecer a mim mesmo, mais eu vou entender o outro também. Eu vou entender quando o outro faz cara feia para mim.

Então, quanto mais eu conhecer a mim mesmo, serei mais capaz de me relacionar com os outros, cuidar do outro, ter paciência com o outro. Ao mesmo tempo, quanto mais eu fizer esse mergulho interno, mais pertinho vou estar dessa região onde esses tesouros se encontram, onde a riqueza interna vai se abrir e se tornar disponível e eu vou simplesmente oferecer isso às pessoas. É impossível a uma pessoa que tenha acessado essa consciência ficar sozinho no mundo.

Um bom início para essa prática é conhecer o corpo. Saber relaxar e respirar. A vida não é só o movimento, é repouso também. Estou no meu trabalho, posso fazer um recolhimento de 5 minutos;  isso vai ter um super impacto em nossa vida; dá uma olhadinha como está respirando, sinta o calor do seu corpo. Se você dedicar 5 minutos a cada hora, todos os dias, você vai transformar sua vida.

sábado, 9 de fevereiro de 2019

Vozes na mente

Eckart Tolle
Quando alguém vai ao médico e lhe diz que está ouvindo vozes, ele provavelmente lhe sugere de consultar um psiquiatra. Mas o fato é que, de modo semelhante, quase todo o mundo ouve o tempo todo uma ou várias vozes em sua cabeça, que são os pensamentos em forma de monólogos ou diálogos contínuos.

Talvez você já tenha encontrado na rua pessoas dementes que falam sem parar em voz alta ou baixa. Na realidade, isso não é diferente do que as pessoas "normais" fazem, com a diferença de que você e todas as pessoas "normais" o fazem em silêncio.

O que essa voz diz não corresponde na maioria das vezes à situação em que você está no momento, mas revive um passado próximo ou distante, ou imagina situações futuras. Em tais momentos, a voz muitas vezes imagina que as coisas vão dar errado, gerando ansiedade. Esta trilha sonora às vezes é acompanhada por imagens visuais ou "filmes mentais". E mesmo se o que a voz diz corresponde à situação do momento, ela irá interpretá-lo de acordo com o passado. Por quê? Porque essa voz pertence ao condicionamento mental, que é fruto de toda sua história pessoal e do estado de espírito coletivo e cultural que herdou.

Dessa forma, você vê e julga o presente através dos olhos do passado, resultando daí uma visão totalmente deformada. Com frequência, essa voz interior é o pior inimigo da pessoa, verdadeiro algoz que ataca e pune, sugando assim toda a energia vital. Esse tirano está na origem de inumeráveis tormentos e infelicidade, assim como de toda doença.

Mas a boa notícia em tudo isso é que você pode realmente se libertar da mente. E essa é a única libertação verdadeira. Você pode até começar agora. Ouça com muita frequência esta voz. Preste especial atenção aos padrões repetitivos de pensamento, aos registros antigos que reproduzem e reproduzem as mesmas músicas, talvez por anos. Isso é o que quero dizer quando sugiro que você "observe o pensador". Esta é outra maneira de dizer-lhe para ouvir essa voz em sua cabeça, para ser a presença que desempenha o papel de testemunha.

Quando você ouve essa voz, apenas a observe, sem julgar nem condenar o que você ouve. Quando você observa um pensamento,  não está apenas consciente dele, mas também de você como testemunha do pensamento. Naquele momento, uma nova dimensão entra em jogo. Ao observar este pensamento, você sente, por assim dizer, uma presença, seu eu profundo, por trás ou abaixo dele. O pensamento perde seu poder sobre você e retira-se rapidamente, porque, não se identificando mais com ele, você não está mais alimentando a mente. Este é o início do fim do pensamento involuntário e compulsivo.

Quando um pensamento é apagado, ocorre uma descontinuação no fluxo mental, um intervalo de "não mental". Em primeiro lugar, essas lacunas serão curtas, talvez alguns segundos, mas gradualmente se tornarão mais e mais longas. Quando ocorrem mudanças no pensamento, você sente uma certa calma e uma certa paz. É o início do seu estado natural de fusão consciente com o Ser que, geralmente, é obscurecido pela mente. Com tempo e experiência, o sentimento de calma e paz se aprofundará e continuará sem fim. Você também sentirá uma delicada alegria que emana das profundezas de você, a do Ser.

Quando você penetra mais e mais profundamente nesse estado de vácuo mental ou "não-mente", como às vezes é chamado no Oriente, você alcança a consciência pura. E nessa situação você sente sua própria presença com tanta intensidade e alegria que todo pensamento, emoção, corpo físico e mundo externo se tornam insignificantes. No entanto, não é um estado de egoísmo, mas sim um estado de não ego. Você é transportado além do que você tomou anteriormente como "você mesmo". Esta presença é sua essência, mas é ao mesmo tempo algo inconcebivelmente mais vasto do que você. 

Em vez de "observar o pensador", você também pode criar um hiato na mente simplesmente concentrando sua atenção no momento presente. Apenas fique atento a este momento. Você obterá grande satisfação com isso. Desta forma, você afasta a consciência de sua atividade mental e cria um vazio mental, onde você se torna extremamente vigilante e consciente, mas onde você não pensa. Esta é a essência da meditação.

No seu cotidiano, você pode praticá-lo durante qualquer atividade de rotina, dando-lhe toda a atenção para que ele se torne um fim em si mesmo. Por exemplo, cada vez que você lava as mãos, desfrute de todas as percepções sensuais que acompanham esse gesto: o som e a sensação de água na pele, o movimento de suas mãos, o cheiro de sabão e assim por diante. Ou, uma vez que você entra no seu carro, leve alguns segundos para observar o movimento de sua respiração. Observe a silenciosa, mas poderosa sensação de presença que se manifesta em você. O critério para avaliar se você conseguiu ou não realizar isto é o grau de paz que você sente, então, internamente.

Assim, o único passo crucial para fazer na jornada que leva à iluminação é aprender a dissociar-se da mente. Sempre que você cria uma descontinuidade no fluxo de pensamentos, a luz da consciência se intensifica. Você pode até encontrar-se sorrindo um dia quando você ouve a voz que fala em sua cabeça, como você sorria para as palhaças de uma criança. Isso significa que você não leva o conteúdo de sua mente tão a sério e que o significado que você tem de si mesmo não depende disso.
Eckart Tolle