J.S. |
Matthieu
Ricard é um membro ativo do Instituto “Mind and Life”, que realiza
investigações científicas sobre “Treino da Mente e Plasticidade Mental”.
Ele participou de um estudo produzido pela Universidade de
Wisconsin–Madison sobre a felicidade, atingindo resultados muito além da
média, depois de testes com centenas de outros voluntários. Em face
disto, foi-lhe conferido a honraria de “O homem mais feliz do mundo”.
Atualmente,
ele vive no mosteiro budista de Shechen no Nepal, onde dedica grande
parte de seu tempo à meditação, às obras filantrópicas e ao trabalho
para preservar a riqueza da cultura tibetana. Ele é o intérprete de Sua
Santidade o Dalai-Lama para o francês e sua língua predileta é o
tibetano.
A
felicidade deste homem pode se resumir nestas suas palavras: “Quando
estou só, em meu retiro ou em outro lugar, cada instante que passo é um
deleite.”
O texto abaixo foi colhido de um de seus livros - “Felicidade” - e aponta soluções para o problema que está na raiz da violência que impera em nossos dias: a raiva.
Matthieu Ricard |
Quando uma emoção dolorosa nos atinge, a coisa mais urgente a fazer é olhar para ela de frente e identificar os pensamentos que a provocaram e a alimentam. Então, fixando o nosso olhar interior na emoção em si, podemos gradualmente dissolvê-la, como a neve sob o sol.
Imagine
que você está sendo dominado por um sentimento de raiva muito forte.
Vamos observá-la com atenção: ela não é nada mais do que um pensamento.
Quanto mais você olhar para a raiva dessa maneira, mais ela se evaporará
diante dos seus olhos, como o gelo sob os raios do sol.
De
onde vem a raiva? Como ela se desenvolve? Para onde ela vai, quando
desaparece? O que podemos dizer com certeza é que ela nasce na mente,
permanece na mente o tempo que durar e, por fim, é também na mente que
ela se dissipa, como as ondas que surgem e se dissolvem no oceano.
Ao
examinarmos a raiva, não encontramos nada que seja consistente ou
substancial, nada que possa explicar a tirânica influência que ela
exerce sobre nós. Ao percebermos que a raiva não tem qualquer substância
em si, ela irá perder toda a sua força.
Quando
um pensamento surge, reconheça que ele é, por natureza, vazio. Ele
imediatamente perderá o poder de suscitar o pensamento seguinte e a
cadeia de ilusão chegará ao fim. Reconheça essa vacuidade dos
pensamentos e deixe que eles repousem um instante na mente relaxada.
É
necessário reconhecer a natureza vazia da raiva, bem no momento em que
ela emerge. Essa prática consiste, portanto, em concentrar a sua atenção
na própria raiva, em vez de fixá-la sobre o seu objeto.
Em
vez de prestar atenção no “alvo”, volte sua atenção para a emoção em si
mesma. Você verá que a raiva não poderá se sustentar, e logo ficará sem
força alguma. Reconhecer a emoção no exato momento em que ela surge,
compreender que ela não é nada mais do que um pensamento, permitir que
ela se dissipe de maneira a evitar reação em cadeia, são atitudes que
estão no cerne da prática contemporânea budista.
“É
hora de redirecionar o ódio para longe de seus alvos habituais, os
nossos assim chamados inimigos, e voltá-lo contra ele mesmo. É o ódio o
seu inimigo verdadeiro e a ele é que você deve destruir”. (Khyentse
Rimpoche)
O
ponto central da prática espiritual é obter o controle sobre a mente. O
objetivo é tornar a mente flexível, estável, lúcida, vigilante e fazer
dela uma ferramenta para a transformação interior.
A
iluminação está ao nosso alcance, no sentido de que todos temos dentro
de nós o potencial que constitui a nossa verdadeira natureza. O budismo
diz que todos nós nascemos completos, já que cada ser tem dentro de si
um tesouro que só nos pede para ser revelado. As qualidades de
iluminação se manifestam ao final da longa transformação que constitui o
caminho espiritual.
Tenzin
Palmo, uma monja inglesa que passou muitos anos em retiro, escreveu:
“As pessoas dizem que não têm tempo para a meditação. Não é verdade!
Você pode meditar quando anda pelo corredor, quando espera que o sinal
abra para você no trânsito, trabalhando no computador, quando está em
uma fila. É preciso criar o hábito de estar no presente, sem os
comentários mentais”.
Alcançar
a felicidade duradoura, como modo de ser, é uma habilidade que se
adquire. Isso requer esforço constante no treino da mente e no
desenvolvimento de qualidades como paz interior, atenção plena e amor
altruísta.
“Olhe para dentro de si: aí está a fonte de todo o bem”. (Marco Aurélio)
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