sábado, 15 de novembro de 2014

Por que meditar

Bokar Rinpoche

Bokar Rinpoje é um  sábio budista, nascido no Tibete em 1940. Como tantos outros sábios, em 1959 ele teve que abandonar o Tibete, ocupada então pelos chineses. Em 1980, inicia suas viagens pelo Ocidente, onde instala centros de meditação, sobretudo na França. Bokar é autor de vários livros, dentre os quais se destaca   “Meditação - Conselhos aos Principiantes”. Bokar mostra que o sofrimento e a felicidade não dependem de fatores externos , mas da própria mente. Ele oferece maneiras de evitar o sofrimento e desenvolver felicidade e paz.

                 Meditação - Conselho aos principiantes

Os homens são afligidos por sofrimentos, angústias e medos inumeráveis e são incapazes de evitá-los. A meditação tem por função eliminar esses sofrimentos e essas angústias.

Pensamos, geralmente, que felicidade e sofrimento surgem de circunstâncias exteriores. O ponto de vista budista considera, ao contrário, que felicidade e sofrimento não dependem fundamentalmente das circunstâncias exteriores, mas da própria mente. Uma atitude de mente positiva engendra a felicidade, uma atitude negativa produz o sofrimento.

Como compreender esse engano que nos faz procurar fora aquilo que podemos encontrar dentro? Uma pessoa de rosto limpo e nítido, ao se olhar em um espelho vê um rosto limpo e nítido. Aquele cujo rosto é sujo e maculado de lama vê no espelho um rosto sujo e maculado. Em verdade, o reflexo não tem existência; só o rosto existe. Esquecendo o rosto, tomamos seu reflexo por real. A natureza positiva ou negativa de nossa mente se reflete nas aparências exteriores que nossa própria mente nos envia. A manifestação exterior é uma resposta à qualidade de nosso mundo interior.

A felicidade que desejamos não virá da reestruturação do mundo que nos cerca, mas da reforma de nosso mundo interior. O indesejável sofrimento só cessará na medida em que não embotarmos nossa mente com todos os tipos de negatividades. Enquanto não reconhecermos que felicidade e sofrimento têm sua origem em nossa própria mente, permanecemos impotentes para estabelecer um estado de felicidade autêntica, impotentes para evitar as contínuas ressurgências do sofrimento. Qualquer que seja nossa esperança, ela é sempre decepcionada.

 Se, ao descobrirmos no espelho a sujidade de nosso rosto, decidíssemos lavar o espelho, mesmo que esfregássemos fortemente durante anos com sabão e água em abundância, nada aconteceria; nem a mínima sujeira, nem a mínima mancha desapareceria do reflexo. Por falta de orientarmos nossos esforços para o objeto justo, eles permanecem perfeitamente vãos. Eis por que o budismo e a meditação têm por primordial compreender que felicidade e sofrimento não dependem fundamentalmente do mundo exterior, mas de nossa própria mente. Na falta dessa compreensão, nunca nos voltaríamos para o interior e continuaríamos a investir nossa energia e nossas esperanças numa vã busca exterior. Uma vez adquirida essa compreensão, podemos lavar nosso rosto: o reflexo surgirá limpo no espelho.

   É preferível, para os principiantes, limitar-se a curtas sessões de dez ou quinze minutos. Mesmo que a meditação seja boa, devemos parar. Depois, se dispusermos de tempo necessário, faremos uma segunda sessão curta, após uma pausa. Melhor é proceder por uma sucessão de curtas sessões, do que engajar-se numa longa sessão que, mesmo boa no início, corre o risco de resvalar para a dificuldade e cansar o meditador.

   Os principiantes, sem saber com exatidão o que é a meditação, criam a expectativa de uma calma perfeita, totalmente livre dos pensamentos. Temem sua vinda e, quando estes surgem, desolam-se por sua incapacidade de meditar. Temer os pensamentos, irritar-se ou inquietar-se com seu aparecimento, crer que a falta de pensamentos é uma boa coisa em si, são erros que conduzem a um estado de frustração e culpa inúteis. A mente de um não-meditador, de um principiante e de um meditador confirmado, é atravessada por pensamentos. Mas, a maneira de abordá-los varia de modo considerável de um para o outro.

Alguém que não pratica a meditação é, em sua relação com os pensamentos, semelhante a um cego, o rosto voltado para uma estrada longínqua. O cego é incapaz de ver se automóveis passam ou não na estrada. Da mesma forma, a pessoa comum, embora experimentando um sentimento vago de desconforto e mal estar interiores, não está consciente da torrente de pensamentos que, no entanto, escoa sem interrupção.

Ao começarmos a meditar, descobrimos os olhos para ver, mas gostaríamos que não passasse nenhum automóvel na estrada. Vem um primeiro automóvel, nossa atenção decepciona-se. Um segundo, nova decepção. Um terceiro,  irritamo-nos, etc. A esperança ingênua de uma estrada vazia é incessantemente enganada. Estamos ao mesmo tempo conscientes e infelizes com a sucessão dos veículos. Cada automóvel que passa é uma nova dificuldade. Revoltamo-nos contra um estado de coisas inevitável. Quando encaramos a meditação como um espaço desprovido de pensamentos, cada pensamento que se apresenta contradiz com evidência esse esquema preconcebido; estamos em situação de fracasso quase permanente.

Quando, ao contrário, compreendemos bem em que consiste a meditação, vemos desfilar os automóveis,  mas sem revolta nem recusa, sem ter decidido que a estrada deveria estar vazia. Não esperamos a ausência de veículos, assim como não nos apavoramos com sua presença. Os automóveis passam e os deixamos passar; eles não são nem nocivos, nem benéficos. Se os pensamentos se elevam, deixamos que passem  naturalmente, sem nos ligarmos a eles nem condená-los.  Uma abordagem sã dos pensamentos condiciona uma boa meditação. As pessoas que compreendem mal a meditação creem que todos os pensamentos devem cessar. Não podemos, de fato, estabelecer-nos num estado sem pensamentos. O fruto da meditação não é a ausência de pensamentos, mas o fato de que os pensamentos cessam de ser nocivos para nós. De inimigos, os pensamentos tornam-se amigos.  

Meditar alguns dias, alguns meses, até mesmo um ano, depois abandonar, também não dará frutos. Um enfermo deve tomar seus medicamentos até a cura completa. Se ele para o tratamento, mesmo que este dure meses ou anos, o mal triunfará. Devemos prosseguir nossa meditação, até que tenhamos alcançado uma realização efetiva e estável. Regularidade e perseverança são duas condições necessárias para uma meditação proveitosa.

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