sábado, 26 de julho de 2014

Rubem Alves

Rubem Alves
Faleceu ontem, 19 de julho de 2014, Rubem Alves. Ele tinha 80 anos e estava internado desde 10 de julho em uma Unidade de Terapia Intensiva

Além de escritor e pedagogo, Rubem Alves era psicanalista, filósofo, teólogo e autor de mais de uma centena de livros. Alves era uma das referências do país em temas relacionados com a educação. As crianças, de modo especial, despertavam nele um verdadeiro fascínio.

“São as crianças que, sem falar, nos ensinam as razões para viver. Elas não têm saberes a transmitir. No entanto, elas sabem o essencial da vida.”

Era um apaixonado pela natureza; os jardins eram para ele uma manifestação do sagrado. “Eu poderia ter sido jardineiro. Como não fui, tento fazer jardinagem como educador, ensinando às crianças, minhas amigas, o encanto pela natureza”.

Rubem Alves não tinha medo da morte, mas amava intensamente a vida. Para ele, a morte e a vida não são contrárias. “A reverência pela vida exige que sejamos sábios para permitir que a morte chegue quando a vida deseja ir”.

Em uma de suas crônicas, ele diz: “Eram 6 horas. Minha filha me acordou. Ela tinha três anos. Fez então a pergunta que eu nunca imaginara: ‘Papai, quando você morrer, você vai sentir saudades?’. Emudeci. Não sabia o que dizer. Ela entendeu e veio a meu socorro: ‘Não chore que eu vou te abraçar...’ Ela, menina de três anos, sabia que a morte é onde mora a saudade”.

Rubem Alves não tinha medo da morte, mas tinha   medo do morrer. Vejamos o que ele escreveu na mesma crônica em que relata a pergunta da filha,  que tanto o emocionou:

"Tenho muito medo do morrer. O morrer pode vir acompanhado de dores, humilhações, aparelhos e tubos enfiados no meu corpo, contra a minha vontade, sem que eu nada possa fazer, porque já não sou mais dono de mim mesmo; solidão, ninguém tem coragem ou palavras para, de mãos dadas comigo, falar sobre a minha morte; medo de que a passagem seja demorada. Bom seria se, depois de anunciada, ela acontecesse de forma mansa e sem dores, longe dos hospitais, em meio às pessoas que se ama, em meio a visões de beleza.
Mas a medicina não entende. Um amigo contou-me dos últimos dias do seu pai, já bem velho. As dores eram terríveis. Era-lhe insuportável a visão do sofrimento do pai. Dirigiu-se, então, ao médico: "O senhor não poderia aumentar a dose dos analgésicos, para que meu pai não sofra?". O médico olhou-o com olhar severo e disse: "O senhor está sugerindo que eu pratique a eutanásia?".
Há dores que fazem sentido, como as dores do parto: uma vida nova está nascendo. Mas há dores que não fazem sentido nenhum. Seu velho pai morreu sofrendo uma dor inútil. Qual foi o ganho humano? Que eu saiba, apenas a consciência apaziguada do médico, que dormiu em paz por haver feito aquilo que o costume mandava; costume a que frequentemente se dá o nome de ética.

Muitos dos chamados ´recursos heroicos´ para manter vivo um paciente são, do meu ponto de vista, uma violência ao princípio da reverência pela vida. Porque, se os médicos dessem ouvidos ao pedido que a vida está fazendo, eles a ouviriam dizer: "Liberta-me".

Dizem as escrituras sagradas: "Para tudo há o seu tempo. Há tempo para nascer e tempo para morrer". A morte e a vida não são contrárias. São irmãs. A reverência pela vida exige que sejamos sábios para permitir que a morte chegue quando a vida deseja ir. Cheguei a sugerir uma nova especialidade médica, simétrica à obstetrícia: a "morienterapia", o cuidado com os que estão morrendo. A missão da morienterapia seria cuidar da vida que se prepara para partir. Cuidar para que ela seja mansa, sem dores e cercada de amigos, longe de UTIs. Já encontrei a padroeira para essa nova especialidade: a "Pietà" de Michelângelo, com o Cristo morto nos seus braços. Nos braços daquela mãe, o morrer deixa de causar medo."

O seguinte trecho de uma carta inédita retrata bem quem foi Rubem Alves e o exemplo de vida que ele nos deixou:

"Sou grato pela minha vida. Não terei últimas palavras a dizer. As que tinha para dizer, disse durante a minha vida. Recebi muito. Fui muito amado. Tive muitos amigos. Plantei árvores, fiz jardins. Construí fontes, escrevi livros. Tive filhos, viajei, experimentei a beleza, lutei pelos meus sonhos. Que mais pode um homem desejar? Procurei fazer aquilo que meu coração pedia."

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