segunda-feira, 12 de fevereiro de 2018

Matthieu Ricard: observar a raiva


J.S.
Matthieu Ricard nasceu na França, em 1946. Tem o doutorado em biologia pelo Instituto Pasteur. Ainda jovem, assistiu a uma série de documentários sobre os grandes mestres espirituais que tinham deixado o Tibete, após a cruel invasão da China. Aquelas cenas deixaram marcas indeléveis em sua alma. Resolve, então, viajar para a Índia, onde teve a sorte de conviver com grandes sábios tibetanos, dentre os quais Kangyur Rimpoche e Dilgo Khyentse Rimpoche. Dentre os seus livros, merece destaque “O Monge e o Filósofo”, em que mantém um diálogo com seu pai, o notável filósofo francês Jean-François Revel.
Matthieu Ricard é um membro ativo do Instituto “Mind and Life”, que realiza investigações científicas sobre “Treino da Mente e Plasticidade Mental”. Ele participou de um estudo produzido pela Universidade de Wisconsin–Madison sobre a felicidade, atingindo resultados muito além da média, depois de testes com centenas de outros voluntários. Em face disto, foi-lhe conferido a honraria de “O homem mais feliz do mundo”.
Atualmente, ele vive no mosteiro budista de Shechen no Nepal, onde dedica grande parte de seu tempo à meditação, às obras filantrópicas e ao trabalho para preservar a riqueza da cultura tibetana. Ele é o intérprete de Sua Santidade o Dalai-Lama para o francês e sua língua predileta é o tibetano. 
A felicidade deste homem pode se resumir nestas suas palavras: “Quando estou só, em meu retiro ou em outro lugar, cada instante que passo é um deleite.” 

O texto abaixo foi colhido de um de seus livros - “Felicidade” -  e aponta soluções para o problema que está na raiz da violência que impera em nossos dias: a raiva.


Matthieu Ricard
 Observar a raiva

Quando uma emoção dolorosa nos atinge, a coisa mais urgente a fazer é olhar para ela de frente e identificar os pensamentos que a provocaram e a alimentam. Então, fixando o nosso olhar interior na emoção em si, podemos gradualmente dissolvê-la, como a neve sob o sol.

Imagine que você está sendo dominado por um sentimento de raiva muito forte. Vamos observá-la com atenção: ela não é nada mais do que um pensamento. Quanto mais você olhar para a raiva dessa maneira, mais ela se evaporará diante dos seus olhos, como o gelo sob os raios do sol.

De onde vem a raiva? Como ela se desenvolve? Para onde ela vai, quando desaparece? O que podemos dizer com certeza é que ela nasce na mente, permanece na mente o tempo que durar e, por fim, é também na mente que ela se dissipa, como as ondas que surgem e se dissolvem no oceano.

Ao examinarmos a raiva, não encontramos nada que seja consistente ou substancial, nada que possa explicar a tirânica influência que ela exerce sobre nós. Ao percebermos que a raiva não tem qualquer substância em si, ela irá perder toda a sua força.

Quando um pensamento surge, reconheça que ele é, por natureza, vazio. Ele imediatamente perderá o poder de suscitar o pensamento seguinte e a cadeia de ilusão chegará ao fim. Reconheça essa vacuidade dos pensamentos e deixe que eles repousem um instante na mente relaxada.

É necessário reconhecer a natureza vazia da raiva, bem no momento em que ela emerge. Essa prática consiste, portanto, em concentrar a sua atenção na própria raiva, em vez de fixá-la sobre o seu objeto.

Em vez de prestar atenção no “alvo”, volte sua atenção para a emoção em si mesma. Você verá que a raiva não poderá se sustentar, e logo ficará sem força alguma. Reconhecer a emoção no exato momento em que ela surge, compreender que ela não é nada mais do que um pensamento, permitir que ela se dissipe de maneira a evitar reação em cadeia, são atitudes que estão no cerne da prática contemporânea budista.

“É hora de redirecionar o ódio para longe de seus alvos habituais, os nossos assim chamados inimigos, e voltá-lo contra ele mesmo. É o ódio o seu inimigo verdadeiro e a ele é que você deve destruir”. (Khyentse Rimpoche)

O ponto central da prática espiritual é obter o controle sobre a mente. O objetivo é tornar a mente flexível, estável, lúcida, vigilante e fazer dela uma ferramenta para a transformação interior.

A iluminação está ao nosso alcance, no sentido de que todos temos dentro de nós o potencial que constitui a nossa verdadeira natureza. O budismo diz que todos nós nascemos completos, já que cada ser tem dentro de si um tesouro que só nos pede para ser revelado. As qualidades de iluminação se manifestam ao final da longa transformação que constitui o caminho espiritual.

Tenzin Palmo, uma monja inglesa que passou muitos anos em retiro, escreveu: “As pessoas dizem que não têm tempo para a meditação. Não é verdade! Você pode meditar quando anda pelo corredor, quando espera que o sinal abra para você no trânsito, trabalhando no computador, quando está em uma fila. É preciso criar o hábito de estar no presente, sem os comentários mentais”.

Alcançar a felicidade duradoura, como modo de ser, é uma habilidade que se adquire. Isso requer esforço constante no treino da mente e no desenvolvimento de qualidades como paz interior, atenção plena e amor altruísta.
“Olhe para dentro de si: aí está a fonte de todo o bem”. (Marco Aurélio)

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