sexta-feira, 12 de janeiro de 2018

A principal causa da raiva

Thich Nhat Hanh


Thich Nhat Hanh,  monge budista,  vive hoje na França, onde fundou uma comunidade  dedicada à meditação e ao trabalho.
Em Plum Village, ele ensina, escreve e conduz retiros  sobre “a arte de viver consciente”. Viver o momento presente é a única maneira de instaurar  a paz em si mesmo e no mundo.
Deixo aqui um convite para a leitura de um, dentre os seus numerosos livros: “Para Viver em Paz - O Milagre da Mente Alerta”





 A principal causa da raiva é a sua semente que existe dentro de nós mesmos. Se não houver sementes de raiva em nossa consciência armazenadora, esse sentimento não pode surgir.

Quando as chamas da raiva se acendem, a tendência é atacarmos quem regou as sementes desse sentimento que temos dentro de nós. É como encontrarmos nossa casa incendiada e, em vez de procurarmos apagar as chamas, sairmos em busca da pessoa que acreditamos ter ateado o fogo.

Quando esse sentimento se manifesta, devemos nos voltar para dentro de nós mesmos e usar a energia da atenção plena para abraçá-lo, suavizá-lo, iluminá-lo.

De acordo com o que foi ensinado pelo Buda, quando a raiva surge, temos que fechar os olhos e ouvidos, retornar para nós mesmos e procurar a fonte interior desse sentimento. O essencial é regarmos a semente da atenção plena e deixá-la surgir na nossa mente consciente.
  
Nós geramos a atenção plena, não para brigar com a raiva ou expulsá-la, mas para cuidar bem dela. Esse método não é dualista nem violento. Não é dualista por reconhecer que ambas – atenção plena e raiva – são partes de nós mesmos. Uma energia abraça a outra. Não devemos ficar com raiva da nossa própria raiva. Não precisamos procurar enxotá-la nem reprimi-la. Basta tomarmos conhecimento de que ela surgiu e cuidarmos dela.

Quando nosso estômago dói, não ficamos com raiva dele. No momento em que a mãe escuta o bebê chorando, ela deixa o que está fazendo, toma a criança nos braços e a acalenta. Depois procura descobrir o motivo do choro, se ele se deve a um desconforto físico ou emocional.

Temos que examinar a raiva a fundo, como faríamos com nosso próprio filho. Não devemos rejeitá-la nem odiá-la. A respiração consciente abranda e acalma a raiva e a atenção plena a penetra.

No Anapanasati Sutta (discurso sobre a atenção plena na respiração), o Buda ensina: “Inspirando, acalmo as atividades da minha mente”. As atividades da mente correspondem a qualquer estado emocional ou psicológico, como raiva, tristeza, ciúme ou medo. À medida que inspiramos e expiramos com atenção plena, abraçamos e acalmamos esse estado mental.

“Inspirando, sei que estou com raiva. Expirando, sei que a raiva está em mim.” Com essa prática, a primeira coisa que descobriremos é que nosso sofrimento tem raízes na nossa consciência armazenadora, em sementes que já estão lá, sementes de raiva, ilusão... A outra pessoa é apenas uma causa secundária. Em seguida, veremos que ela está sofrendo também. Ao compreendermos isso, o amor brotará em nós e teremos vontade de ajudar. A chave é o entendimento.

Graças à prática da atenção plena, a raiva voltará para o depósito da nossa consciência. Essa é a prática de enfrentar a raiva e, como resultado da atenção plena, transformá-la em energia de amor e compreensão.

A meditação budista visa, em primeiro lugar, restabelecer a comunicação com nós mesmos. Raramente estamos presentes para nós mesmos. Fugimos de nós mesmos, porque é assustador voltar para casa e enfrentar o medo e o sofrimento da criança ferida que existe em nós e que vem sendo ignorada há tanto tempo. Mas é maravilhoso voltar para casa e dizer: “Menino, estou aqui para você. Não se preocupe. Cuidarei de você.”

Esse é o primeiro passo. Somos a criança profundamente ferida que espera voltar para casa. E somos também aquele que fugiu de casa, que negligenciou a sua criança.

Temos que voltar e cuidar de nós. Nosso corpo, nossos sentimentos e nossas percepções precisam de nós. Nossos sofrimentos e nossos bloqueios, causados pela dor, requerem nossa atenção. Vamos voltar para casa e estar lá para atender a todas essas solicitações.

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